sexta-feira, março 31, 2006

Ainda Jean Mabire

As edições «on-line» de hoje dos três grandes jornais franceses - Libération, Figaro, Monde - não tinham uma linha sobre a morte de Jean Mabire. Significativamente, a peça mais destacada na secção de Cultura do Libération levava o título: «Os Kékélé, cantores da rumba congolesa».

“Nós” e as poeiras

Estavam contra condenar (ou queimar) um Galileu quando ele dizia não ser a Terra o centro do Sistema (leia-se do Universo); agora não hesitariam em mandar para “a fogueira dos nossos dias” quem disser não ser o homem capaz de deixar “semente de imortalidade”, negando — ou pondo em séria dúvida — que a sua “arte & etc.” Possa ser o viático que pretendem contra o espaço e contra o tempo…
Não que não goste, eu próprio, “dessas poeiras” — e muito —, mas convido, desde já, a que leiam de novo o último período do meu texto “A poeira dos mortos”, em que falo do “nós”, que contém exactamente o que David Mourão-Ferreira nos diz no seu comovente, extraordinário, profundíssimo e cósmico poema “ladainha dos póstumos natais”, sobretudo a partir do 10.º verso e culminando no 16.º.
Junto, aliás, o texto de David Mourão-Ferreira, que desconhecia quando escrevi o meu “bilhete”, para ajudar à percepção do mesmo; quem, mesmo assim, se não der conta de que estou noutra esfera, trancendendo, humildemente, Sistinas e outros Chopins, está, realmente, a confundir “alhos com bugalhos” e não atinge nem o discurso, nem tão pouco percebe o meu gesto.
Toda a “flor”, por mais bela que seja, acaba por murchar e morrer, e o tempo, aí, embora tendo podido ser tudo, não é mais que Nada, Infinito que nos é retornado, tal porta entreaberta sobre a harmonia álgida e terrível do Universo.


ladainha dos póstumos natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja nem um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

in “Cancioneiro de Natal”, poesias de David Mourão-Ferreira
com fotografias de Ana Esquível, edições rolim, Novembro de 1986.

Bola preta

A FIFA fez saber ontem que quer endurecer o combate ao «racismo» nos estádios de futebol. Ora como agirá a FIFA perante uma situação semelhante à que as câmaras da Rede Globo registaram, no interior do Brasil, durante uma partida, aqui há semanas: um estádio repleto na sua maioria por espectadores mulatos e negros, saltando nas bancadas como macacos e imitando ruidosamente os guinchos emitidos por estes, sempre que um jogador mais escuro da equipa visitante tocava na bola?

quinta-feira, março 30, 2006

O extintor

José Sócrates acaba de anunciar que o governo vai extinguir 187 organismos, através do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado. Pena que também não aproveite para se extinguir a ele próprio.

Ainda o PM

Sócrates é o Santana Lopes do PS, só que sem gajas e com muito mais e melhor «marketing».

(Dis)Paridade

Hoje vai a votos no Parlamento mais um capricho do actual (des)governo: a chamada lei da paridade. Longe da apregoada defesa de grandes princípios, trata-se tão-somente da consagração legal de uma norma interna do PS. Os “socialistas” dizem querer a paridade entre homens e mulheres na vida democrática. Que eu saiba, com todos os defeitos que possamos apontar ao sistema vigente, homens e mulheres têm hoje os mesmos direitos e deveres quando ocupam um cargo político, que é o que realmente interessa. Poder-me-ão dizer que se trata da paridade numérica — como se esta produzisse automaticamente melhores resultados — mas essa teria que ser 50%... Tais contas devem-se talvez, ainda, ao método de cálculo guterriano.

Seja como for, esta proposta, para além de chocar de frente com o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, é um desrespeito e um atestado de menoridade às mulheres portuguesas, como se estas não tivessem capacidade de vingar por si só na política ou em qualquer outra área.

Ah! É verdade, não lhes falem em mérito, que eles ficam ofendidos…

quarta-feira, março 29, 2006

Estilo socrático

Três coisas destroem o homem: muito falar e pouco saber, muito gastar e pouco ter, muito presumir e pouco valer.

Simplex

O programa de Simplificação Administrativa e Legislativa do governo tem nome de papel higiénico. Não são 33, mas 333 — diga trezentos e trinta e três — pontos apresentados para a desburocratização. Tudo em folha dupla, presumo. O Sócrates é um líder macio e absorvente.

Mangas-de-alpaca

Quando mais um governo faz profissão de fé publica que está empenhado em diminuir a burocracia, mais a está a perpetuar e fomentar pela calada. A lógica de qualquer governo é a lógica da burocracia. Um governo está a atentar contra a natureza do Estado em que se escora quando diz que está a combater a burocracia. Governo e burocracia são como gémeos siameses impossíveis de separar. E então este governo, deste país, com esta burocracia...

terça-feira, março 28, 2006

In memoriam


Rodrigo Emílio
18 de Fevereiro de 1944 — 28 de Março de 2004

Previsão eleitoral

- «Quem é que achas que vai ganhar as eleições em Israel?»
- «Os judeus, claro!»

segunda-feira, março 27, 2006

À mão armada

Estou muito mais preocupado com as armas que estão nas mãos dos criminosos e dos "jovens", do que com as que os cidadãos têm em casa. Parece é que o governo tem a preocupação contrária.

O português exemplar da semana

O futebolista Sérgio Conceição joga numa equipa belga e ontem, durante um jogo da Taça da Bélgica, cuspiu no árbitro, despiu a camisola, atirou-lha acima e foi expulso. Um esforçado representante de Portugal no estrangeiro e um reluzente exemplo para a juventude nacional.

domingo, março 26, 2006

Neste país...

... a polícia já vai «dentro».

sábado, março 25, 2006

Um pouco de grande poesia

Agora que já passou o Dia Mundial da Poesia, podemos voltar a apreciá-la sem obrigações de calendário:

A una espada en York Minster

En su hierro perdura el hombre fuerte,
Hoy polvo de planeta, que en las guerras
De ásperos mares y arrasadas tierras
La esgrimió, vano al fin, contra la muerte.

Vana tambíén la muerte. Aquí está el hombre
Blanco y feral que de Noruega vino,
Urgido por el épico destino;
Su espada es hoy su símbolo y su nombre.

Pese a la larga muerte y su destierro,
La mano atroz sigue oprimiendo el hierro
Y soy sombra en la sombra ante el guerrero.

Cuya sombra está aquí. Soy un instante
Y el instante ceniza, no diamante,
Y sólo lo pasado es verdadero.

Jorge Luis Borges, «El Otro, el Mismo»

sexta-feira, março 24, 2006

Brechas no Bloco

No espaço de dois dias, deram-se duas saídas no Bloco de Esquerda (BE), a de Miguel Vale de Almeida e a de José Casquilho. Este afirmou aos media que estava «farto do aparelhismo» no BE, que assistiu à dominação do «politicamente correcto» e salientou: «há um velho problema na esquerda (radical) que não se ultrapassa: a uma linguagem de inclusão tende a opor-se uma prática de exclusão. Parece que o Bloco está bloqueado por uma inevitabilidade dialéctica ligada ao seu nome. Pena que não se tenha chamado Mosaico de Esquerda e talvez o presente e o futuro fossem diferentes». Entretanto, houve rumores de que Francisco Louçã iria abandonar as funções de coordenador do partido. Visivelmente, o Bloco começa a abrir brechas.

quinta-feira, março 23, 2006

Bom feriado

O 25 de Abril não vai ser comemorado na Madeira este ano. Já sei onde vou passar o 25 de Abril.

É só fibra

Os sempre vigilantes media, o bilioso Vasco Pulido Valente e a esquerda lingrinhas que se cuidem. Parece que a «direita musculada» que se instalou com Cavaco Silva em Belém acaba de encomendar um aparelho de «fitness» do Canal Shopping e o curso do Prof. Atlas.

terça-feira, março 21, 2006

Nem uma palavra

Houve comentários, análises, reflexões, artigos, «dossiers» e debates sobre os três anos da invasão do Iraque. Mas sem a menor referência, a mais pequena menção, ao papel de Israel, às manipulações de Israel, aos interesses de Israel, aos benefícios de Israel, à sombra de Israel. Afinal, não há armas de destruição maciça no Iraque. O que há é Israel que se farta. Só que nem uma palavra...

Na fossa televisiva

Depois de usar os velhos como carne para canhão de audiências num programa que os põe a desenvolver actividades «radicais», a TVI volta a fazer o número de juntar algumas micro-«celebridades», umas múmias do espectáculo e um mutante sexual num mesmo espaço fechado, e esperar que façam momices, se enrolem uns com os outros ou se engalfinhem, para daí tirar dividendos comerciais. O canal da Media Capital já desceu tão baixo, que passou a subcave e vai a caminho da fossa séptica.

domingo, março 19, 2006

Os nossos media (4)

TSF-Tendenciosos Sem Fios.

Os nossos media (3)

TVI-Televisão Intragável.

Os nossos media (2)

RTP-Uma televisão de serviço governamental.

Os nossos media

Desconfie se ler no «Expresso».

O que vamos votar hoje?

O recente episódio protagonizado por alguns deputados que votaram favoravelmente a catastrófica alteração à lei da nacionalidade e que agora se questionam sobre as suas consequências, demonstra bem como funciona actualmente o poder legislativo no nosso país.

A minha crítica não vai para esses deputados, que tardiamente abriram os olhos, mas para todos aqueles que votaram, passivamente e em bloco, uma lei assassina para o povo português. Numa matéria fundamental para Portugal, como esta, não houve um debate nacional prévio, de modo a pesar as consequências a longo prazo dos delírios do multiculturalismo utópico. Foi apenas mais um compromisso de agenda...

Assim vai o nosso jardim à beira mar plantado, onde uma questão em que está em causa a sobrevivência da Nação é votada com a mesma indiferença e ignorância como se do horário de funcionamento das lotas de tratasse.

Anti-bola

Tudo o que é demais cheira mal e a tirania do futebol na televisão em Portugal já tresanda. São jogos nacionais e estrangeiros transmitidos a toda a hora em canais abertos e codificados, são os resumos repetidos até ao vómito nos dias seguintes, são os programas de debate de futebol para onde quer que se faça «zapping», são os telejornais tomados de assalto pelas notícias do futebol, até à mais trivial lesão e à mais ridícula declaração, são os dirigentes boçais, os treinadores laparotos e os jogadores subverbais com tempo de antena contínuo, são os jogos antigos repetidos nos canais de nostalgia, é a mourinhite aguda, é o endeusamento saloio dos «craques», é a redução do patriotismo ao apoio à selecção nacional. Até nesta omnipresença obsessiva do futebol a televisão portuguesa é uma aberração na Europa. Portugal seria um país bem melhor se se partisse a espinha à malta do futebol, e se se reduzisse o futebol na televisão aos mínimos estritamente necessários. Já farta a ditadura burgessa do cautchu!

sábado, março 18, 2006

Onde está o Wally?

A imprensa portuguesa gosta muito de jogar ao «Onde Está o Wally Direitista?», como se pode ver pela maneira como as gazetas andam a esquadrinhar o «staff» de Cavaco Silva desde a sua entrada em Belém. Se jogássemos o mesmo jogo, só que com a pesquisa à esquerda, nas equipas directivas dos diários e semanários «de referência», aí é que ia ser divertido...

sexta-feira, março 17, 2006

Isto começa bem

A propósito de um dos novos consultores da Presidência da República, os dois diários "de referência" de Lisboa falam da revista Futuro Presente, da "nova direita" e do "conservadorismo musculado": no "Diário de Notícias", sem comentários, o jornalista Fernando Madaíl, no "Público", com a devida consternação, o cronista Vasco Pulido Valente (neste caso, num texto um tanto atabalhoado, valha a verdade). Como dizia uma vedeta de cinema de outros tempos, o que é preciso é que se fale de nós, mesmo que seja bem.

Aperto de mão

Toda a tentativa que visa melhorar o mundo partindo do princípio que a humanidade é capaz de progresso no sentido moral do termo, ou que é boa de origem, está condenada ao fracasso. Crer na bondade original do homem é concepção puramente sentimental, logo estéril e até perigosa.
Mas ainda mais tolo e néscio é o conceito que quer fazer admitir à viva força que aqueles que crêem na humanidade são de natureza mais nobre do que os que nela não acreditam, mas tão só e simplesmente nos homens, caso a caso.
De resto, acho preferível que dois homens se dêem friamente a mão por cima de um abismo de eterna distância, do que caiam nos braços um do outro, enternecidos e levados pelas agitações enganadoras da chamada compreensão.

Paris já está a arder?

Aos meninos privilegiados parisienses que não querem estudar e estão a impedir os outros de o fazer, e aos altermundialistas de carteirinha, está agora a juntar-se a malta «excluída» e os «jovens» especialistas na queima de carros nos subúrbios. Não há «um perfume a Maio de 68» em Paris, como alguns adeptos apalermados da «utopia» já disseram. O cheiro que se sente é a esturro.

quinta-feira, março 16, 2006

Adágio jantarista

Português pela vida, francês pela comida.

CDS vs. PP

Será que as páginas de jogo on-line vão aceitar apostas?

Liberdade de ensino

Em Paris, na Sorbonne, algumas centenas de estudantes esquerdistas «fils à papa», de profissionais da revolução contínua e de trotskistas para todo o serviço de desacato, escudados num álibi socio-laboral, estão a negar a milhares de colegas o direito às aulas e ao estudo, a bloquear-lhes a movimentação na escola, a destruir selvaticamente livros e material, a causar danos a estabelecimentos comerciais e a propriedade privada nas redondezas das instalações universitárias, e a tentar contaminar mais estabelecimentos de ensino superior com o vírus da contestação arruaceira e intimidadora. Sintomaticamente, aquilo que algumas televisões portuguesas salientaram hoje na reacção dos grupos de estudantes que na Sorbonne se levantaram contra os agitadores e os enfrentaram a pé firme, foi que se tratava de elementos «de direita e extrema-direita». Os outros, claro, estão «em luta».

quarta-feira, março 15, 2006

Desprezo e amor

O refúgio na solidão, o enroscar-se inteiramente em si próprio por desprezo dos outros, é raramente sinal de força ou de grandeza, constituindo amiúde, marca de indolência ou arrogância.
Por outro lado, prezar o amor entre os homens está frequentemente bem longe de ser prova de bondade ou de sabedoria; a maior parte das vezes não passa de pieguice ou, mesmo, de fraqueza de espírito, quando não é pura e simples hipocrisia, podendo até esta ser mero produto de um processo íntimo de tentativa de encobrimento das duas primeiras.
Em lugar de desprezar ou amar tudo e todos, seria talvez mais digno e útil para a comunidade que cada um começasse por tomar consciência da sua pertença a um todo — que, aliás, deve ser fruto de um longo, orgânico e profundo processo de identificação — ditada pela própria natureza, agindo depois em consequência e consonância, assumindo os deveres que daí advêm.

terça-feira, março 14, 2006

Subsídio para o combate à criminalidade

Num completo «dossier» em duas partes publicado ontem e hoje pelo «Diário de Notícias» sobre os números, o estado e as mutações da criminalidade em Portugal, lê-se a certa altura que a criminalidade imigrante ilegal tomou conta da actividade carteirista, em especial no metropolitano de Lisboa, mudando por completo as suas características. Onde há poucos anos os carteiristas actuavam individualmente, com subtileza e discrição, sem violência e, por vezes, seguindo até uma certa ética «corporativa» (as carteiras roubadas eram postas em lugares onde pudessem ser facilmente encontradas e entregues à polícia, evitava-se roubar pessoas idosas, etc.), os carteiristas são agora, na sua esmagadora maioria, imigrantes ilegais, que agem em grupo e não têm o menor escrúpulo em usar a violência sobre quem quer que seja. Espera-se que as autoridades e o Estado ajam exemplarmente sobre estes indivíduos, e de acordo com as novas filosofias de actuação, os legalizem rapidamente e lhes atribuam com celeridade a nacionalidade portuguesa. Assim, nesta área, a criminalidade ligada à imigração ilegal poderá descer num ápice para níveis perto do zero, sem recorrer à repressão que fragiliza os perpetradores, sem suspeitas de atitudes racistas e sem sombra de práticas de exclusão.

segunda-feira, março 13, 2006

Nossa Senhora da Fátima

Salve-se quem puder, a calamidade de saltos altos está a moderar outro «Prós e Contras» na RTP1! Nem com dois milagres de Fátima ela vai lá.

Vox Populi

Ouvido no domingo, na esplanada de um centro comercial de Lisboa:

Primeiro amigo - É pá, tens aí jornais? Tens o «Expresso»?
Segundo amigo - Não, pá. Já não compro o «Expresso» há muito tempo.
Primeiro amigo - Mas porquê?
Segundo amigo - Os sacos do meu supermercado são mais resistentes e faz-me muito mais falta o que trago lá dentro.

Conversa de balcão

Gosto muito de ler os exercícios de sociologia directa que o Eurico aqui faz ocasionalmente e a que chama vox populi. Hoje, ao beber a primeira bica do dia, ouvi uma conversa de balcão entre dois sexagenários, que decidi reproduzir aqui:

— É pá, viste esta história do Milosevic?
— Mataram o gajo!
— Pois foi. Isto é uma coisa...
— E o Benfica?
— Não percebo...

domingo, março 12, 2006

Fórmula Zero

Tanta conversa sobre o novo carro, tantas capas e páginas de revistas e jornais, tanta posta de pescada sobre a nova época, e Tiago Monteiro acaba o Grande Prémio do Bahrain no penúltimo lugar. Para os portugueses, a Fórmula 1 devia chamar-se Fórmula Zero.

Coisas estranhas

Slobodan Milosevic teve uma morte estranha num «cárcere democrático» da justicialista Haia, tal como Rudolf Hess antes dele, em Spandau, na Alemanha «normalizada». Nem à família do pior assassino ou do mais hediondo criminoso (e não era este o caso) o Estado pode negar o corpo do morto para realização da autópsia (no caso, em Moscovo) mas o generoso e equânime Tribunal dos Direitos Humanos fê-lo aos próximos de Milosevic. A autópsia realizar-se-à na Holanda, por médicos locais, à revelia dos familiares do antigo líder da ex-Jugoslávia. Não contentes em constranger crescentemente os vivos, as democracias liberais que cada vez menos o são, apoderam-se também dos mortos com que não souberam lidar em vida.

sexta-feira, março 10, 2006

«Liberté d'expression»

O humorista e cómico «stand-up» Dieudonné, filho de mãe francesa e pai camaronês, foi hoje condenado por um tribunal de Paris a 5 mil euros de multa por «afirmações anti-semitas», ao comparar os judeus a negreiros. Dieudonné M'Bala M'Bala foi considerado culpado de «incitação ao ódio racial» por tais palavras, durante uma entrevista ao semanário «Le Journal de Dimanche», em Fevereiro de 2004. O humorista, que não esteve presente no julgamento, deverá ainda dar um euro simbólico de indemnização à Liga Internacional Contra o Racismo e o Antisemitismo (LICRA), à União dos Estudantes Judeus de França, ao Consistório Israelita de França, aos Advogados Sem Fronteiras e ao SOS Racismo, associações que fizeram a queixa à justiça. (Estranhamente, o juiz não ordenou também nenhuma indemnização aos «sobreviventes do Holocausto», o que deve ter acontecido por distracção). No referido semanário, Dieudonné tinha declarado: «'Preto de merda, os judeus hão-de te dar o que mereces»', eis o tipo de 'slogans' que tenho ouvido. São todos estes negreiros reconvertidos na banca, no espectáculo e hoje na acção terrorista que manifestam o seu apoio à política de Ariel Sharon». Numa audiência em tribunal, no dia 27 de Janeiro, Dieudonné defendeu-se de ter querido comparar «judeus» e «negreiros», explicando que se tratava de uma referência ao apoio «indefectível» que Israel tinha votado ao governo do «apartheid» na África do Sul, «que oprimia os negros». A sua condenação havia sido pedida com o fundamento de que Dieudonné tinha recorrido a um «cliché anti-semita». Este é o primeiro processo que o humorista perde, dos vários que as suas opiniões desassombradas e o seu humor vitriólico e franco-atirador lhe têm valido. Espera-se agora que as partes queixosas no processo Dieudonné tomem iguais posições quando um humorista recorrer a «clichés» anti-muçulmanos, anti-católicos, anti-negros ou anti-asiáticos. Entretanto, fica mais este ilustrativo exemplo da «liberté d'expression» em França.

Solidariedade

Uma das coisas que mais embacia e deslustra a imagem do mundo é a crença na solidariedade obrigatória.
Esta ilusão tende a criar relações entre gente que nada tem de comum impedindo que outros laços se estabeleçam entre pessoas feitas para se entenderem.
Acresce que pode impelir e constranger quem é honesto a tomar o partido dos velhacos, tornando-se cúmplice – quantas vezes sem querer – da venalidade mais desbragada.
Veja-se, entre muitos outros, o caso de África.

Questões de língua

Cesária Évora, a cantora de Cabo Verde, sabendo falar português, insiste em falar crioulo quando está com jornalistas cá do burgo, e estes ainda se põem mais de cócoras perante a dita «diva dos pés descalços» (não há ninguém que lhe compre um par de sapatos?). Conheci recentemente um timorense que, vendo-se na companhia de portugueses, se esforçava por se lhes dirigir no melhor português de que era capaz. Respeito-o e admiro-o infinitamente mais do que à cantora casca grossa.

quinta-feira, março 09, 2006

Porta errada

Foi hoje anunciado que um grupo de defensores dos direitos dos «gays», lésbicas, transgenders e outros mutantes sexuais iria fazer uma vigília de protesto contra o assassínio, no Porto, por um grupo de «jovens», do transexual Gisberta, à porta do Patriarcado, em Lisboa. Desconheço se a dita vigília está a decorrer ou se não se chegou a realizar, mas as criaturas têm as coordenadas geográficas todas trocadas. Tendo em conta quem matou o transexual, a vigília deveria era ter lugar na Zona J.

Chupa, chupa

Das agências: nos Estados Unidos, as sanguessugas voltaram a ser utilizadas em vários hospitais e clínicas. Em Portugal, nunca deixaram de ser utilizadas na Direcção-Geral de Contribuições e Impostos.

Vai, e não voltes

A nódoa de dez anos deixou Belém finalmente, ontem ao princípio da noite, mais de uma hora e meio sobre o acordado. Deve ter andado a choramingar pelos cantos do palácio e atrasou-se na saída. Não deixa saudades nenhumas.

terça-feira, março 07, 2006

Portas, o cinema e a política de Hollywood

Paulo Portas acabou esta noite a primeira edição do seu novo programa «O Estado da Arte», na SIC Notícias, a falar dos Óscares. Criticou «Syriana» pelas razões certas - a visão primária do mundo por parte de um actor de Hollywood progressista, George Clooney, que co-produz e interpreta este filme de Stephen Gaghan - e elogiou «Colisão», de Paul Haggis, pelas razões erradas - o ser um exemplo do funcionamento do «melting pot» nos EUA. Ora «Colisão» é, na verdade, um filme tão primário como «Syriana», embora o seja na sua visão das relações raciais e sociais numa cidade com as características de Los Angeles. O filme não só mostra que nem todos os componentes étnicos do «melting pot» americano se querem dissolver num mesmo grande e homogéneo caldo (pelo contrário, neste aspecto, o caldo da coesão nacional nos EUA está cada vez mais entornado e ameaçado de azedar pela «guetização» multiculturalista), como também se revela de um didactismo com pés de chumbo e de um simplismo demonstrativo, na maneira como trata e apresenta dramáticamente as situações de tensão social, confronto racial, desconfiança étnica e desigualdade económica. «Colisão» não passa de mais um exemplo da Hollywood progressista a sentir-se justa e auto-satisfeita com a sua representação do real de juntar os pontinhos, de mais um típico «feel good movie» - neste caso, com comichões de consciência social inquieta. Foi por isso, e não por temer premiar «O Segredo de Brokeback Mountain», que a Academia deu a «Colisão» o Óscar de Melhor Filme. Porque se sentiu reconfortada nas sua intensas convicções «sociais», porque lhe passou a mão pelo pêlo da visão do mundo emotivamente «engajada». «Colisão» é um filme tão escapista como os mais básicos que o cinema americano produz. Só que armado ao pingarelho de «significativo», «actual» e «interventivo». Lixo de teorias simpáticas, como diria o nosso Fernando Pessoa. Mas que parecem ter impressionado Paulo Portas.

Está a acabar (4)

Falta só um dia para o homem se ir embora. Se já esperámos 10 anos, podemos esperar mais 24 horas.

— É «O Diabo», s.f.f. (salvo seja!)

Walter Ventura conta um divertido episódio, passado com ele, na primeira manifestação do 1.º de Dezembro. De caminho, refere o Jantar cá da rapaziada. Todos ao quiosque!

Silogismo blogosférico

A solidão é o refúgio dos pessimistas. A blogosfera é o abrigo dos solitários. Logo...

O homem-arranha

A expressão «arranha-céus» revela um vício da civilização: o homem moderno já não deseja alcançar o Céu; pretende apenas fazer-lhe cócegas.

segunda-feira, março 06, 2006

EUA vs. Portugal

O americano disse: "We have George W. Bush, Stevie Wonder, Bob Hope, and Johnny Cash." O português respondeu: "We have José Sócrates, no wonder, no hope, and no cash."

Vox populi

Ouvido no domingo ao final da tarde, na FNAC Chiado:

Adolescente - «Guerra e Paz», de Tolstoi... é pesado. Ó pai, é bom?
Pai da adolescente - É um clássico, filha.
Adolescente - Tá bem, mas é bom?
Pai da adolescente - É um clássico, filha. Nunca o li, mas é um clássico.
Adolescente - Eu sei, pai, mas é um bom?
Pai da adolescente - Já te disse: é um clássico.
Adolescente - Tá bem... Vou antes comprar um da Margarida Rebelo Pinto.

domingo, março 05, 2006

Cine-Palestina

Israel tentou até à última, por todos os meios directos ou indirectos, que o filme palestiniano «Paradise Now», de Hany Abu-Assad, concorresse ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. «Paradise Now» acaba de ganhar o prémio da mesma categoria nos Independent Spirit Awards, os galardões do cinema independente norte-americano, atribuídos 24 horas antes dos Óscares. Tal como já havia ganho antes, por exemplo, o Prémio Anjo Azul e o Prémio da Amnistia Internacional no Festival de Berlim de 2005, o de Melhor Argumento nos Prémios Europeus de Cinema e, há poucos dias, o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. Será reconhecimento da qualidade, do equilíbrio e da actualidade do filme, ou apenas mais uma conspiração anti-semita internacional que tem que ser denunciada?

sexta-feira, março 03, 2006

Vox populi

Ouvido hoje, ao princípio da tarde, numa pastelaria do centro de Lisboa:

Primeiro idoso - "Viste aquilo dos miúdos que mataram o 'traveste' lá em cima?"
Segundo idoso - "Han?... Não era traveste, era transexual, pá!"
Primeiro idoso - "Qual é a diferença?"
Segundo idoso - "É pá, um não mudou a 'aparelhagem', o outro mudou... percebes?"
Primeiro idoso - "Nos nossos tempos não havia disso!"
Segundo idoso - "Havia, só que era escondido..."
Primeiro idoso - "Havia o caraças, pá! O caraças é que havia! O que havia era mais respeito, pá! O meu pai começou a trabalhar aos 10 anos, pá! Estes agora aos 10 anos já andam na droga, e a roubar carros, e a vender o coiro na rua! Trabalho, népias, hein? Népias! Caraças!..."
Segundo idoso - 'Agora é só maricagem, e fufas, e 'travestes', e gandulagem! Gandulagem!"
Primeiro idoso - "Foram uns miúdos, uns jovens que o mataram..."
Segundo idoso - "Han... também, quem é que o mandou... isto é tudo uma escória, agora..."
Primeiro idoso - "Quando é que o Presidente da República se vai embora?"
Segundo idoso - "Podia ir já agora que tanto se me fazia, pá!"
Primeiro idoso - "Qualquer dia vai pra lá um 'traveste'... hehehehe!'"
Segundo idoso - "Tanto se me faz, por essa altura já tou morto, pá..."
Primeiro idoso - "É uma gandulagem, isto... lá o gajo ou a gaja que foi morto também dava na droga e tinha sida. Parece que era brasileiro."
Segundo idoso - "Brasileiros dum cabrão!"
Primeiro idoso - "Eu não votei neste Sampaio nem no Cavaco nem em nenhum".
Segundo idoso - "Por essa altura já tou morto... morto".

Está quase (3)

Quem ainda não foi condecorado pelo homem que levante o braço, porque ainda há sobras.

Está quase (2)

E lá fica Belém sem tampa nem avental.

Está quase

Já só faltam seis dias para o choramingas se ir embora e não deixar nem pó de saudades.

quinta-feira, março 02, 2006

Promessa

Nunca, mas nunca, comprar, ler ou manusear qualquer livro sobre o quase ex-presidente Jorge Sampaio, muito menos escrito por ele.

Estilos

Um blogue colectivo tem qualquer coisa de «cadavre-exquis».
I like that.
Um blogue individual é mais "straight".
J'aime bien ça.

quarta-feira, março 01, 2006

Coisas que ficam

Vivemos num mundo em que tudo é cada vez mais descartável, dos produtos às ideias, das marcas à cultura. Um computador fica ultrapassado em poucas semanas, a vedeta do momento cai no esquecimento num abrir e fechar de olhos, o modelo de sapatos que nos habituámos a usar deixa de ser fabricado de repente, a loja que frequentávamos regularmente aparece fechada uma bela manhã. Tudo dura cada vez menos e cada vez mais as coisas são feitas para terem vida curta. Mas hoje entrei num grande centro comercial de Lisboa e fiquei emocionado e satisfeito por encontrar, na secção de brinquedos, e entre dezenas de outros, os jogos da Majora. Quando eu era pequeno, jogos eram sinónimo de Majora, tal como carrinhos eram sinónimo de Matchbox, Dinky e Corgi Toys, comboios-minatura de Marklin, ou aviões para montar de Revell. Muitas, muitas marcas, objectos e produtos da minha infância e juventude desapareceram para sempre, desde comestíveis a remédios, passando por brinquedos (e como mudaram os brinquedos!) e por modestas e úteis coisas do quotidiano que deixaram de ter uso ou de fazer sentido - isto segundo quem fabrica e promove as coisas que as substituiram, claro. Por isso, foi reconfortante saber que os jogos da Majora continuam a existir, que ainda há quem os compre para os filhos, sobrinhos e netos, que são jogados e apreciados de geração em geração. Neste mundo em que tudo fica obsoleto a toda a velocidade, e em que cada vez há mais variedades de um mesmo produto para escolhermos, sabe bem ver que certas coisas e marcas insistem em ficar, em contrariar a cultura do usa-e-esquece, a civilização do descartável. E se elas foram importantes nos nossos anos descuidados, se cresceram connosco, se participaram da nossa formação, sabe ainda melhor. Ah: e o logótipo da Majora é exactamente o mesmo do tempo em que os meus pais e avós me davam jogos de tabuleiro de presente.