Uma maneira conservadora de ser liberal
"Desconhecemos por completo que leis regem as sociedades, ignoramos por inteiro o que seja, em sua essência, uma sociedade, porquê e como nasce, segundo que leis se desenvolve, porquê e de que modo se definha e morre. Ninguém ainda sequer definiu satisfatoriamente ‘sociedade’, ‘progresso’ ou ‘civilização’. A humanidade tem-se entretido – desde a formação, na Grécia antiga, do espírito crítico – a idear sistemas políticos e sociais ‘definitivos’ em matéria tão flutuante e incerta como a vida, em assunto ainda tão fora da ciência como a sociedade.
É preciso, contudo, que as sociedades, sejam o que forem, se governem; é forçoso que que haja um Estado de qualquer espécie. E esse Estado é chamado a governar uma coisa que não sabe ao certo o que é, a legislar para uma entidade cuja essência desconhece, a orientar um agrupamento que segue (sem dúvida) uma orientação vital que se ignora, derivada de leis naturais que também se ignoram, e que pode portanto ser bem diferente daquela que o estado pretende imprimir-lhe. Assim o mais honesto e desinteressado dos políticos e dos governantes nunca pode saber com certeza se não está arruinando um país ou uma sociedade com os princípios e leis, que julga sãos, com que se prpõe salvá-la ou conservá-la.
A lei aparentemente mais justa, a lei mais de acordo com os nossos sentimentos de equidade, pode ser contrária a qualquer lei natural, pois pode bem ser que as leis naturais nada tenham com a nossa ‘justiça’ e em nada se ajustem às nossas ideias do que é bom e justo. Por o que conhecemos da operação de algumas dessas leis – por exemplo, a da hereditariedade – a Natureza parece frequentemente timbrar em ser injusta e tirânica. Ora não há certeza que a Natureza seja mais terna para a vida social do que para a vida individual. (...) A essência do que em política se chama ‘conservantismo’ nasce directamente desta nossa ignorância, consiste no receio de infringir leis desconhecidas em matéria onde todas as leis são desconhecidas. É pois evidente que quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza , de a estar prejudicando; mais risco há, se não mais certeza, de estar entrando em conflito com leis naturais, com leis fundamentais da vida que, como ninguém as conhece, ninguém tem a certeza de não estar violando. (...) Os riscos, e pois os prejuízos, da administração de estado estão evidentemente na razão directa da extensão com que essa administração intervém na vida social espontânea."
Fernando Pessoa, Régie, monopólio, liberdade, "Revista de Comércio e Contabilidade", nº2 – 1926)
É preciso, contudo, que as sociedades, sejam o que forem, se governem; é forçoso que que haja um Estado de qualquer espécie. E esse Estado é chamado a governar uma coisa que não sabe ao certo o que é, a legislar para uma entidade cuja essência desconhece, a orientar um agrupamento que segue (sem dúvida) uma orientação vital que se ignora, derivada de leis naturais que também se ignoram, e que pode portanto ser bem diferente daquela que o estado pretende imprimir-lhe. Assim o mais honesto e desinteressado dos políticos e dos governantes nunca pode saber com certeza se não está arruinando um país ou uma sociedade com os princípios e leis, que julga sãos, com que se prpõe salvá-la ou conservá-la.
A lei aparentemente mais justa, a lei mais de acordo com os nossos sentimentos de equidade, pode ser contrária a qualquer lei natural, pois pode bem ser que as leis naturais nada tenham com a nossa ‘justiça’ e em nada se ajustem às nossas ideias do que é bom e justo. Por o que conhecemos da operação de algumas dessas leis – por exemplo, a da hereditariedade – a Natureza parece frequentemente timbrar em ser injusta e tirânica. Ora não há certeza que a Natureza seja mais terna para a vida social do que para a vida individual. (...) A essência do que em política se chama ‘conservantismo’ nasce directamente desta nossa ignorância, consiste no receio de infringir leis desconhecidas em matéria onde todas as leis são desconhecidas. É pois evidente que quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza , de a estar prejudicando; mais risco há, se não mais certeza, de estar entrando em conflito com leis naturais, com leis fundamentais da vida que, como ninguém as conhece, ninguém tem a certeza de não estar violando. (...) Os riscos, e pois os prejuízos, da administração de estado estão evidentemente na razão directa da extensão com que essa administração intervém na vida social espontânea."
Fernando Pessoa, Régie, monopólio, liberdade, "Revista de Comércio e Contabilidade", nº2 – 1926)
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