A cidade perdida
A minha Lisboa está a desaparecer. Todos os anos, desaparece mais um bocado, desde os anos 80. Desapareceu o Cine-Teatro Monumental (e o Satélite) e o Restaurante Monumental, e o Monte Carlo, que até tinha barbeiro lá no fundo e em cuja tabacaria comprei todas as minhas revistas durante anos e anos; desapareceu a leitaria aqui da esquina, com o dono que tratava todas as clientes por «madame»; e desapareceu também a mercearia do Sr. Domingos; desapareceu a Livraria Quadrante; desapareceu o Circuito Mini-Car; desapareceu a Colombo; desapareceu o prédio do anjo no Saldanha, e o Modelo onde a minha mãe encontrava a D. Laura Alves, ficavam a falar as duas e o meu pai, coitado, cada vez mais impaciente junto ao balcão dos frios; desapareceu o sapateiro de vão de escada que ainda me chamava «menino» quando eu lá ia, já matulão; desapareceram o Berna, o Império, o Apolo 70, o Condes, o Eden, o Castil, o Alvalade, o Odeon, o City Cine, o Cinebloco, os ABCine, as salas de reposição de bairro e os «piolhos»; desapareceu o «Panzer Bife»; desapareceu a Feira Popular; desapareceram as lojas de brinquedos clássicas da Baixa; desapareceu o Império, primeiro o cinema, depois o café. E agora vai desaparecer o salão de jogos Monumental, o do «snooker», dos matrecos, do bilhar e dos «pintas» de azeite no cabelo, calça pata-de-elefante, camisa estrelicadinha e palito a bailar no canto da boca, jogando partidas infindáveis. A minha Lisboa está a desaparecer. Todos os anos, aos bocadinhos.
23 Comentários:
Também desapareceu o Estúdio 444, acho que passo lá pela porta todos os dias sem excepção. E as lojas de brinquedos não foi só na Baixa, também se evaporaram as das Avenidas Novas. A 'nossa amiga' Marina já fazia um novo volume só com estas referências...
É triste, a Lisboa em que nascemos e crescemos, a desaparecer, embora também tenham aparecido coisas boas nela. E há muitos anos, também passei algumas tardes a jogar na sala de jogos Monumental. Porque é que fecha? O edifício, ainda por cima, parece que é classificado.
Tem razão, Pedro. E o Mundial, também, e o Estúdio do Império, e o Roma, que agora é Forum Lisboa - vá lá, ainda passam lá filmes... e outros ainda.
É um apagamento de memória, o que estão a fazer... Para que pensemos que não houve passado, a não ser o rançoso que eles apregoam e que não existiu. Substituem as referências por coisas aberrantes e superficiais, próprias de gente cinzenta sem cultura e acarneirada, numa ânsia de colocar todo o mundo por igual na fealdade e mediocridade que os caracteriza.
São os esquerdóides, são os pseudo-direitistas (os traidores anti-patrióticos do sistema), é toda uma cáfila que vende memórias, família, ideais a quem lhes dê um prato de lentilhas.
Lembro-me do caso do café Tá-Mar, ali para as bandas de Algés. Eu vivia, à época, no Restelo, e ia lá com os amigos muitas vezes. Há uns anos, foi fechado e substituído por uma agência bancária, de um banco que tinha mais duas ao virar da esquina. Fizeram publicidade, dizendo que «os clientes que costumavam ir à Tá-Mar iriam por hábito ao banco»... Bom, sem comentários. A agência ficou largo tempo às moscas.
Só não sei se este exemplo, como muitos outros, será exclusivamente fruto da estupidez endémica desta gente cinzentona, ou se prefigura o apagamento programado de memória e de referências que expus acima.
E desapareceu a papelaria onde comprava os cromos em Carcavelos qd era mais novo.. isso sim não há direito!!
Mudam-se os tempos.. mudam-se as vontades e necessidades. Sinceramente, quando foi a última vez que foram jogar snooker a essa sala?? (que também eu tenho como refência pessoal)ou comer um bife ao Café Império?
É por causa de lá não irem.. e apenas filosofarem sobre os sitios que, eles são mandados abaixo.. Por isso, meu caro Eurico e afins.. vão deixar de ter snooker no Salão Monumental.. pk vocês assim o exigem não indo lá.
MZ ARGENTINA
Mais o Cinema Europa, Paris, jardim Cinema...
É tudo uma tristeza. Mas no caso do salão Monumental parece haver ali negociata, o fecho não será por questões financeiras.
Caro Eurico,
Uma correcção: o Odéon não desapareceu, e há-de reabrir (e é por isso preciso que todos façamos qq coisa!!).
Mementos: Falta o Royal. O Apolo 70 tinha umas poltronas deliciosas junto à parede. O Castil parecia-me uma nave espacial. O Star era uma garagem simpática. Os City, ABCine, ACS, 7ª Artes & Cia. eram atrozes. O melhor bife à café era o da Colombo, o de manteiga o do Império. As decalcomanias Action Transfer Letraset, as bandas desenhadas do Flash Gordon, do Tarzan, do Cisco Kid eram no Monte-Carlo, e as do Batman, do Super-Homem, Capitão América eram as da Brasil-América, na Rodrigues Sampaio. O melhor galão com croissant e fiambre, na Granfina. O melhor hamburguer no Apolo 70. O melhor Pêche Melba na Namur. Etc. bago de uva ...
A Namur ainda existe, Sr. Paulo Ferrero.
Caro Eurico:
Este notável artigo, inspirou-me para um modesto postal, na mesma linha, que acabei de escrever lá na minha solitária Torre.
Abraço.
Solitária torre???
Este Mendo deve estar a gozar...
Com aquelas "estampas" que tem postado, deve ser festa todas as noites.
;)
Não é só Lisboa. É o país inteiro que eles estão a descaracterizar. A palavra de ordem é pôr tudo igual aos EUA.
Ainda restam uns redutos, mas estão em extinção.
Sois todos uns dinossauros incapazes de absorver novas ideias. Tudo mudou menos vós quão velhos do restelo que negam a mudança. Aposto que não usam multibanco e nem tem computador nem compram na internet.....
Por favor, meu caro anónimo, eu tenho telemóvel com as mais inimagináveis funções, Net super-rápida, TV plasma e «home cinema», e mais sei lá o quê! O que tem a ver a nossa ligação emocional à cidade que amamos, e ao bairro onde nascemos ou vivemos há muito, com a adesão às novidades tecnológicas?... Ora com franqueza!
Sr.Conselheiro Arrôbas,
Eu seique a Namur ainda existe, já não presta é para nada. E Pêcha Melba nem vê-lo;-)
Registo, meu caro. Obrigado.
...e desapareceu o 100 da Rua do Mundo...
Alguém se lembra o que era?
O 100 da Rua do Mundo? Não sei o que era. Sei que desapareceram também os russos da melhor pastelaria de Lisboa até aos anos 70 e picos: a Bijou.
Uma casa de «meninas», não era? O meu pai dizia que era famosa em Lisboa.
Minha, não, do meu pai e da geração dele!
Pobre cidade! Não tem um presidente da câmara à altura há muito tempo.
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