À mesa
Conta Giovanni Papini num dos seus livros que, certo dia em Florença, orçava ele pelos 4 ou 5 anos, a mãe levou-o de passeio pelas margens do Arno. Uma roupa domingueira realçava a beleza dos seus cabelos compridos e encaracolados. E, de facto, um ou outro estrangeiro dirigiu-lhe por vezes algumas palavras numa língua que desconhecia, à mistura com sorrisos de afeição. A dado passo, um dos homens estaca diante dele — e contempla-o no fundo dos olhos azuis. Aparenta 50 anos. Usa lentes grossas e uns enormes bigodes. O rosto é largo e gordo. De repente, estende a mão direita e acaricia os caracóis loiros da criança.
Muitos anos depois, Papini viu num livro a imagem acabada do desconhecido desse dia. O coração sobressaltou-se-lhe de comovido pasmo: era o retrato de Nietzsche.
O futuro escritor da "História de Cristo" foi afagado um instante pela mão que escreveu "O Anticristo". Que o episódio sirva de concílio e mote à hora em que nove amigos de tendências várias se atrevem juntos à estrada da blogosfera.
Muitos anos depois, Papini viu num livro a imagem acabada do desconhecido desse dia. O coração sobressaltou-se-lhe de comovido pasmo: era o retrato de Nietzsche.
O futuro escritor da "História de Cristo" foi afagado um instante pela mão que escreveu "O Anticristo". Que o episódio sirva de concílio e mote à hora em que nove amigos de tendências várias se atrevem juntos à estrada da blogosfera.
7 Comentários:
Passei pelo tomarpartido e descobri este belo site.
Parabéns.
Por isso estás no Plagiadíssimo.
Passa por lá e deixa o teu coments.
Bom ano
Boa sorte no projecto
Nietzsche e Papini são bem dois Patronos à medida da envergadura dos Autores deste blogue, Caro BOS.
Um abraço
Segundo rezam as crónicas, o Nietzsche, na sua década mais criativa, de 1879 a 1889, viveu, muito frugalmente e em grande isolamento, na Suiça (Sils Maria), na Riveira (Nice e Menton) e em Itália (Roma e Turim).
Seria interessante saber se, de facto, nos anos de 1885 ou 1886, em que o Papini teria 4 ou 5 anos, o alemão se teria deslocado, e por quanto tempo, a Florença.
Se sim, parabéns à fenomenal capacidade de identificação de densas bigodaças (por essa altura, não particularmente raras) por parte do tenro giovanotto.
Se não, lá temos nós mais aparições (celestiais ou sulfurosas, vá-se lá saber) a pastorinhos de belos caracóis.
Talvez o primeiro prodígio, o da rememoração anatómica «muitos anos depois, ao ver num livro a imagem do desconhecido», não seja muito mais provável que o segundo, mas não custa nada acreditar em alguma coisa, sobretudo em época de saldos.
O episódio é narrado pelo próprio Papini: o filósofo alemão estanciou no Hotel da Floresta de Vallombrosa, em Florença, no Outono de 1885, a convite do director do mesmo, o alemão Lanski, que era seu amigo.
Quanto ao "prodígio da rememoração", devolvo a palavra a Papini: «Sempre tive, desde a primeira infância, uma memória bastante forte e duradoura, especialmente visual, e não deverá causar espanto que possa recordar, ainda hoje, espectáculos ou rostos de há longos anos atrás.»
Ele sabia, o raio do Papini sabia que o Pedro Botelho era um céptico!
Diz o BOS: «Ele sabia, o raio do Papini sabia que o Pedro Botelho era um céptico!»
Nesse caso, bem podia ter deixado alguns dados comprovativos mais. Como por exemplo: será que o giovanotto de 4 ou 5 anos (!) também passou, nessa tenra idade, pelo tal Hotel da Floresta de Vallombrosa, ou será que o alegado encontro se teria dado noutro sítio qualquer? O que me desperta alguma desconfiança é aquela coisa do «muitos anos depois, Papini viu num livro a imagem acabada do desconhecido desse dia».
É que o bom do Zaratustra no seu passeiozito higiénico da vida real não seria tão diferente assim dos seus contemporâneos mais bigodudos. Houve até um inventivo ianque que, por essas alturas, patenteou uns suspensórios de bigodes que permitiam comer a sopa apenas com uma mão...
Penso nos rostos que se cruzaram diariamente comigo, durante semanas ou meses a fio, aos 4 ou 5 anos, e francamente só me lembro com precisão daqueles de quem conservo fotografias dessa época, quanto mais de rostos encontrados uma única vez, num único dia, sem que nada de extraordinário de tenha passado à sua volta...
Enfim, a memória visual do giovanotto é um tanto fenomenal mas não é impossível; parece-me apenas improvável que ele tenha tido uma revelação subconsciente do genéro «ora cá está um inesquecível porte de filósofo eminente, nada banal, que a minha mente, velha de 4 anos, vai fixar para sempre...»
De qualquer modo, verdadeira ou assim-assim, é uma bonita história.
É curioso eu ter escrito, lá mais acima, «rememoração anatómica» quando obviamente queria dizer «rememoração fisionómica».
Talvez estivesse a congeminar subconscientemente alguma explicação adicional para a estranha retenção do episódio por parte duma criança de 4 anos, do tipo daquelas que começam assim: «estava a pobre criança a brincar no jardim público, quando se súbito se começaram a agitar umas moitas e saiu de lá um filósofo eminente ansioso por lhe afagar os louros caracóis...»
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