O vilão que era pintor e poeta
O ar ameaçador, a cara talhada a escopro, os traços mongólicos, a voz de gravilha pisada e o papel de um pistoleiro que mata a sangue-frio um homem desarmado em 'Shane', de George Stevens (1953), destinaram Jack Palance, nascido Vladimir Palahnuik na Pensilvânia, numa família de imigrantes ucranianos, a uma carreira cinematográfica feita na maior parte de papéis de vilão, de personagens exóticas mas quase sempre negativas, como Átila, ou de monstro, como Jack, o Estripador ou Drácula. Até quando entrou em O 'Desprezo', de Jean-Luc Godard (1963), fez o papel de um produtor comercialão, cheio de desprezo pelos filmes de "arte".
Mas Palance, que morreu na sexta-feira, aos 87 anos, na sua casa na Califórnia, era o contrário dos muitos "maus" que interpretou. Pintor e poeta, só tarde na vida revelou esta faceta artística, com a publicação, em 1996, de 'Forest of Love', um poema em prosa ilustrado com desenhos seus, inspirados na natureza que rodeava a sua quinta na Pensilvânia natal.
Palance sempre achou que tinha talento para a comédia, mas os seus primeiros papéis no cinema levaram-no na direcção oposta. Só em 1992, com 73 anos, ao receber o Óscar de Melhor Actor Secundário (à terceira nomeação) pelo seu 'cowboy' veterano de 'A Vida, o Amor... e as Vacas', teve o seu grande (e espontâneo) momento de comédia, quando se pôs a fazer flexões com uma só mão, para espanto de Billy Crystal, apresentador da cerimónia e seu colega no filme. O gesto fez sensação, entrou para a história dos Óscares e valeu ao actor uma série de papéis mais amenos e de anúncios em que parodiava a sua imagem de mauzão.
O jovem Jack Palance foi mineiro e pugilista (com o nome de Jack Brazzo). Alistou-se na Força Aérea em 1942 e um ano depois deixou o serviço, após um acidente que o obrigou a fazer cirurgia plástica. Estudou jornalismo na Universidade de Stanford mas acabou formado em Arte Dramática. Começou a fazer teatro nos anos 40, foi o substituto de Marlon Brando em 'Um Eléctrico Chamado Desejo' e sucedeu-lhe no papel. Em 1950, Elia Kazan abriu-lhe as portas do cinema, em 'Pânico nas Ruas'.
Palance não tinha a sua carreira no cinema em grande consideração. "A maior parte do que faço é lixo", disse certa vez a um jornalista. E acrescentou: "Muitos dos realizadores com quem trabalhei nem o trânsito eram capazes de dirigir".
(Obituário publicado na edição de hoje do DN)
6 Comentários:
Belíssima evocação, e muito informativa. Era um dos meus «vilões» de eleição.
As feições e sobretudo o que resultava delas em certas expressões talhavam-no mesmo para "mau". E sendo o contrário na vida, como diz o Caro Eurico, que maior elogio se pode fazer a um Actor?
Abraço.
Sempre gostei muito dele, ainda esta semana estive a rever o 'Shane' e ele é fabuloso, até quando se ri é "mau". Paz à sua alma.
Sem contar com a sua imortalização em Bd pela mão de Morris n'O Tirolinhas (ou Phil de Fer). Um dos meus albuns favoritos. RIP
Bem lembrado, apareceu no Lucky Luke, é verdade. Tinha-me esquecido dessa. Obrigado, meu caro.
Um belíssimo 'in memoriam'.
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