sexta-feira, março 31, 2006

“Nós” e as poeiras

Estavam contra condenar (ou queimar) um Galileu quando ele dizia não ser a Terra o centro do Sistema (leia-se do Universo); agora não hesitariam em mandar para “a fogueira dos nossos dias” quem disser não ser o homem capaz de deixar “semente de imortalidade”, negando — ou pondo em séria dúvida — que a sua “arte & etc.” Possa ser o viático que pretendem contra o espaço e contra o tempo…
Não que não goste, eu próprio, “dessas poeiras” — e muito —, mas convido, desde já, a que leiam de novo o último período do meu texto “A poeira dos mortos”, em que falo do “nós”, que contém exactamente o que David Mourão-Ferreira nos diz no seu comovente, extraordinário, profundíssimo e cósmico poema “ladainha dos póstumos natais”, sobretudo a partir do 10.º verso e culminando no 16.º.
Junto, aliás, o texto de David Mourão-Ferreira, que desconhecia quando escrevi o meu “bilhete”, para ajudar à percepção do mesmo; quem, mesmo assim, se não der conta de que estou noutra esfera, trancendendo, humildemente, Sistinas e outros Chopins, está, realmente, a confundir “alhos com bugalhos” e não atinge nem o discurso, nem tão pouco percebe o meu gesto.
Toda a “flor”, por mais bela que seja, acaba por murchar e morrer, e o tempo, aí, embora tendo podido ser tudo, não é mais que Nada, Infinito que nos é retornado, tal porta entreaberta sobre a harmonia álgida e terrível do Universo.


ladainha dos póstumos natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja nem um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

in “Cancioneiro de Natal”, poesias de David Mourão-Ferreira
com fotografias de Ana Esquível, edições rolim, Novembro de 1986.

4 Comentários:

Anonymous Anónimo said...

Ó pázinho, tás a precisar de ir sair e curtir um bocado!

2:33 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

A única safa é assimilar que um mundo sem interrogações, mistérios e surpresas seria de um tédio insuportável. E uma inconcebível eternidade nessa condição, muito pior seria....

9:30 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

There’s no time for us
There’s no place for us
What is this thing that builds our dreams yet slips away
From us

Who wants to live forever
Who wants to live forever....?

There’s no chance for us
It’s all decided for us
This world has only one sweet moment set aside for us

Who wants to live forever
Who wants to live forever?

Who dares to love forever?
When love must die

But touch my tears with your lips
Touch my world with your fingertips
And we can have forever
And we can love forever
Forever is our today
Who wants to live forever
Who wants to live forever?
Forever is our today

Who waits forever anyway?

Flower subscrevendo Brian May :))

3:27 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

ganda nóia!

2:09 da manhã  

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