sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Camões por Pound

Camões escreve num estilo resplandecente e bombástico — que por vezes é poesia. A língua portuguesa, pouco musical, é subjugada, e os seus acordes dissonantes harmonizados. Como retórica colorida, Os Lusíadas dificilmente será ultrapassado, em minha opinião. O encanto deve-se ao vigor do autor, à sua unanimidade, à firme convicção da glória das coisas do mundo exterior — e há igualmente um certo prazer no contacto com o espírito de Camões, o espírito de um homem com suficiente entusiasmo para escrever um poema épico em dez Cantos sem nunca se deter em qualquer tipo de reflexão filosófica. Ele é o Rubens da poesia.
Um poema épico não pode ser escrito contra a corrente da sua época: o profeta ou o satírico podem isolar-se do seu tempo ou movimentar-se no sentido inverso, mas o autor da epopeia tem que ser o arauto do sentimento geral. Embora Camões seja indubitavelmente um poeta, lê-se hoje com o mesmo interesse com que se lê prosa. Os Lusíadas é melhor do que um romance histórico; dá-nos o tom do pensamento da época.
EZRA POUND, "Camões" in «The Spirit of Romance», 1910

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